Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]




O meu post de ontem, com que iniciei a escrita deste novo blog, deu origem a variados comentários, tanto aqui no blog como nas minhas páginas no facebook (https://www.facebook.com/Domingos.Amaral ou https://www.facebook.com/domingosfreitasdoamaral).

A todos os leitores agradeço os comentários, mesmo quando são abrasivos e duros.

E, perante algumas das questões colocadas, não quero deixar de tentar esclarecer os leitores. 

 

1 - A questão do IVA

Na simulação que ontem fiz, e onde referi que não tinha acesso a informação oficial sobre vários aspectos importantes, não considerei o IVA.

Vários leitores falaram nisso, lembrando que as contas podem alterar-se. 

A razão porque não o fiz tem a ver exactamente com o desconhecimento sobre os contratos entre a Benfica TV e os vários operadores envolvidos (MEO, Zon, etc). Não sei como serão partilhadas as receitas nem como será partilhado o custo do IVA entre as várias partes.

Também não sei se a Benfica TV terá direito a reembolsos de IVA, nem se fazendo parte da Benfica SAD, o IVA específico relativo à Benfica TV será englobado nas contas gerais da SAD ou não.

Por isso, não o considerei.

No entanto, é provável que uma parcela de IVA tenha de ser descontado às contas de receita líquida que apresentei, o que levará a que o número de assinantes necessários para atingir os objectivos na minha simulação tenha de subir um pouco. 

 

2 - A publicidade na Benfica TV

Alguns leitores defenderam que as receitas publicitárias que considerei, cerca de 10 por cento da receita total, eram um valor excessivo.

No entanto, a mim não me parece, pois apesar de tudo a Benfica TV terá muito bons jogos da Premier League para transmitir, além dos jogos em casa do Benfica, e isso pode possibilitar audiências grandes, gerando receitas publicitárias interessantes.

No entanto, também não sei se essas receitas terão de ser partilhadas com os operadores.

Mesmo assim, 10 por cento parece-me razoável, até pela questão de que falo no ponto seguinte.

 

3 - A publicidade estática durante os jogos

Vários leitores falam também deste assunto, mas mais uma vez é preciso alguma cautela.

Não tenho acesso aos contratos realizados entre Benfica e PPTV nos últimos anos para saber qual o valor da publicidade estática durante os jogos em casa, e nos relatórios de contas da Benfica SAD também não encontrei qualquer referência a este valor.

Se o valor da publicidade estática fazia parte do contrato anterior com a PPTV/Olivedesportos, então agora a publicidade estática passará a ser explorada pela Benfica TV, e portanto será uma receita da estação.

Porém, esse valor não deve ser muito elevado, pois estamos a falar de apenas 2 jogos por mês, durante 7 meses e meio.

Não me parece que seja uma receita muito relevante, e posso mesmo defender que esse valor está já incluído no valor de receitas publicitárias da Benfica TV, que estimei em 10 por cento da receita total. 

 

4- As plataformas no estrangeiro

Alguns leitores dizem que também não considerei as receitas da Benfica TV provenientes do estrangeiro, falando na Europa, na América e em África. 

É verdade, mas também aqui existe uma explicação razoável.

Julgo que os direitos da Premier League, comprados pela Benfica TV, não são extensivos ao estrangeiro, e apenas são válidos para território português, o que diminui o interessa da oferta da Benfica TV para outros territórios.

Assim, a estação fica limitada aos jogos na Luz, o que pode obrigá-la a cobrar uma mensalidade mais barata para esses territórios, diminuindo a receita total. 

Além disso, parece-me também que o número total de assinantes fora do território nacional não será muito grande, tal como também não o é na SportTV. 

Embora admita que exista uma receita adicional que não considerei, não julgo que ela venha a ser muito substancial.

 

5 - Diminuição dos direitos televisivos de FC Porto e Sporting

Um dos leitores afirma que o facto do Benfica ter terminado contrato com a Olivedesportos/PPTV levará a que as receitas televisivas de FC Porto e Sporting desçam, pois ambas estavam indexadas aos valores do contrato com o Benfica.

Julgo que não será assim.

Se o Benfica tivesse assinado contrato com a Olivedesportos/PPTV por um valor muito elevado, nesse caso é que o valor dos contratos com FC Porto e Sporting subiria, mas não havendo contrato com o Benfica não há lugar a descida de valores nos outros dois contratos.

Os valores recebidos por FC Porto e Sporting não são por isso directamente afectados pela existência da Benfica TV.

 

6 - Contas de merceeiros

Um dos leitores, mais abrasivo, acusa-me de fazer "contas de merceeiros" porque me enganei no valor da proposta feita pela Olivedesportos/PPTV, pois escrevi que ela foi no valor de 22,5 milhões de euros quando ela foi de 22,2 milhões de euros por ano.

O leitor tem razão, de facto cometi um pequeno lapso nesse valor, mas trata-se apenas de uma diferença de 300 mil euros por ano, o que dividindo por 12 meses e por uma assinatura de 9,9 euros, dá um número de assinantes de 2500.

Ou seja, na minha simulação, há um pequeno desvio, e em vez de se atingir um bom negócio nos 250.000 assinantes, atinge-se um bom negócio nos 247.500 assinantes...

Será um desvio assim tão relevante para me reduzir ao estatudo de "merceeiro"? 

 

7 - Conclusão final

Aquilo que ontem tentei fazer foi uma simulação, partindo de hipóteses que me pareceram razoáveis, e avisando que não tenho acesso a certa informação sobre o negócio que pode ser relevante (partilha de receitas com operadores, contratos publicitários, etc).

No entanto, apesar das limitações da simulação, e tendo de admitir que em certos casos (IVA, etc) poderá ser necessário fazer alguns acertos às minhas contas, julgo que os valores globais a que cheguei não andarão muito longe da realidade. 

A minha previsão mantém-se portanto: abaixo de 137 mil assinantes, é um mau negócio; entre 137 e 250 mil assinantes, é melhor do que existia antes; e acima de 250 mil assinantes é um bom negócio para o Benfica.

Mas, só o futuro dirá se isso se vai ou não verificar. 

publicado às 10:34

Nas minhas aulas de Economia do Desporto, cadeira que lecciono na Universidade Católica, a estudantes de economia e gestão, examinei este ano o "case study" da Benfica TV, pois é um projecto muito original, corajoso, mas também financeiramente arriscado.

A Benfica TV é original, pois não existe no futebol europeu ou mundial nenhum caso de clubes que vendam os direitos televisivos dos jogos em casa a si próprios. Existem alguns clubes - Manchester United, Chelsea, Real Madrid, Barcelona - que têm televisões próprias (acessíveis de graça também em Portugal), mas nenhuma delas transmite jogos ao vivo e em casa.

A razão é simples: todos esses clubes recebem fortunas colossais dos operadores de Tv (ou da Liga, no caso inglês) pelos seus direitos televisivos, e portanto não têm qualquer incentivo para fazer transmissões directas nos seus próprios canais.

No entanto, é precisamente esse o problema em Portugal, e foi isso que levou o Benfica a avançar para uma televisão própria.

Até à época que terminou em Junho, o Benfica ganhava apenas cerca de 8 milhões de euros em direitos pela transmissão dos jogos em casa, uma quantia baixíssima.

Só para efeitos de comparação, diga-se que o Granada, uma das menos cotadas equipas que disputa a Liga espanhola, ganhou em 2013 cerca de 12 milhões de euros. E o Valência, a terceira equipa de Espanha, ganhou 42 milhões de euros.

Sentindo-se injustiçado, o Benfica decidiu não renovar o contrato com a Olivedesportos/PPTV, a empresa que nas últimas décadas tem dominado o mercado de direitos televisivos em Portugal.

Foi uma decisão corajosa, e ainda por cima com o apoio esmagador da maioria dos sócios do Benfica, que há muito desejavam esta separação de uma empresa que, mal ou bem, identificam como "aliada" do rival maior do norte, o FC Porto.

Durante algum tempo, o Benfica ainda esperou que aparecesse um concorrente da Olivedesportos, para furar o monopólio desta, mas tal não veio a acontecer. Paes do Amaral ainda tentou, mas desistiu da ideia.

Apesar dos esforços do presidente da Liga, Mário de Figueiredo, que tenta lutar pela contralização na Liga dos direitos televisivos, a verdade é que o mercado está atrofiado pelo monopólio da Olivedesportos/PPTV, na compra dos direitos; e também pela SportTV, na venda aos consumidores finais.

Politicamente, a entrada da Benfica TV no jogo é uma oportuna decisão política, pois liberta o Benfica do jugo da Olivedesportos, e fura o monopólio desta pela primeira vez, o que é salutar para todos.

No entanto, há riscos importantes no projecto da Benfica TV, sobretudo financeiros, e é importante analisá-los com minúcia, para que se possa perceber a dimensão da aposta de Luís Filipe Vieira.

Passando a Benfica TV a um "canal premium", com uma mensalidade de 9,9 euros, a televisão da Luz passa a ser concorrencial com a SportTV, mas é evidente que precisava de mais do que apenas 2 jogos em casa do Benfica por mês. E os campeonatos gregos ou brasileiro não têm um poder de atração muito grande.

Assim, o Benfica teve de subir a parada e disparou um tiro certeiro e ambicioso: comprou os direitos da Premier League para os próximos 3 anos, por cerca de 3 milhões de euros por ano.

É uma aposta forte, ainda por cima coincidindo com o regresso de Mourinho a Inglaterra. Só faltava Ronaldo regressar a Manchester para ser ainda mais certeira.

Porém, será suficiente para criar "value for money"? Sem jogos da Champions League, sem jogos da Liga Europa, sem jogos do campeonato português tirando os que se passem na Luz, conseguirá o Benfica tornar a Benfica TV numa mina de ouro?

Para apreciar esse objectivo, teremos de fazer contas. Se o Benfica conseguir chegar a 8 milhões de euros por ano de receita líquida (já deduzidos os custos), ficará exactamente na mesma, ou seja, ganhará o mesmo que ganhou em 2012/2013. 

Acima desse valor, o Benfica estará a ganhar mais dinheiro do que nas últimas épocas. Mas ganhará mais do que podia ganhar? Recorde-se que a última oferta feita pela Olivedesportos/PPTV foi de 22,5 milhões de euros por ano, oferta essa que foi rejeitada pelo Benfica, conforme comunicado enviado à CMVM há uns meses atrás.

É portanto esse o julgamento que deve ser feito.

Abaixo de 8 milhões de receita líquida, a Benfica TV é um mau negócio.

Entre 8 e 22,5 milhões de euros de receita líquida, a Benfica TV é um bom negócio, mas não tão bom como a última oferta da Olivedesportos.

Acima de 22,5 milhões de euros de receita líquida por ano, a Benfica TV é um excelente negócio para o Benfica.

 

Estabelecido este critério para avaliar, vamos agora tentar calcular qual o número de assinantes que o Benfica precisa para atingir cada uma destas metas.

Quais são os custos da Benfica TV? Além dos referidos 3 milhões de euros pelos direitos da Premier League, há os outros direitos dos outros campeonatos, os custos de transmissão dos jogos na Luz, os custos com o pessoal necessário para a empresa funcionar, e coisas assim.

Embora eu não tenha acesso a esses números, parece-me razoável estimar que os custos da Benfica TV andarão à volta de 6 milhões de euros por ano.

E quais são as receitas?

Serão essencialmente as receitas dos assinantes da Benfica TV, que pagarão 9,9 euros mensais, e ainda alguma receita publicitária adicional que se consegue devido à transmissão dos jogos. Embora não seja fácil de calcular este valor, é sabido que a receita publicitária nos "canais premium" de desporto não é muito elevada, e por isso parece razoável estimar que no máximo a receita publicitária será 10 por cento da receita total. 

Há ainda um problema adicional: é que nem toda a receita das subscrições vai para a Benfica TV, pois os operadores (MEO, Zon, etc) ficam com uma parte da receita até um determinado nível de assinantes. Mais uma vez, não tenho acesso a essa cláusula, mas podemos estimar que metade da receita poderá ficar nos operadores até que sejam atingidos os 30 mil assinantes em cada operador. 

Assim sendo, qual será a receita líquida da Benfica TV com 100 mil assinantes, o número que o clube já atingiu?

O valor total da receita será de 100 mil vezes 9,9 euros, ou seja 990 mil euros por mês. Se multiplicarmos por 12 meses, temos 11,88 milhões de euros por ano. 

Contudo, para os primeiros 60 mil assinantes, a receita para a Benfica TV será apenas de metade, pois metade irá para o operador, e só os restantes 40 mil assinantes vão directos para receita da Benfica TV.

A receita total neste caso será apenas de 8,316 milhões de euros por ano (60 mil assinantes vezes metade de 9,9 euros vezes 12 meses; e 40 mil assinantes vezes 9,9 euros vezes 12 meses).

A somar a esse valor teremos ainda a receita dos anúncios na Benfica TV, cerca de 10 por cento dos 11,88 milhões, ou 1, 188 milhões. Portanto a receita total final dará cerca de 9,5 milhões de euros.  

Subtraindo a este valor os 6 milhões de euros em custos, teremos uma receita final líquida de apenas 3,5 milhões de euros, o que é muito abaixo dos 8 milhões que o clube recebia até ao final da última época. 

Portanto, com 100 mil assinantes, a Benfica TV ainda não é bom negócio para o clube, pois dá menos de metade da receita líquida que o clube recebia da Olivedesportos. 

Quantos assinantes precisa então a Benfica TV de ter para chegar aos 8 milhões de euros de receita líquida? 

Pelas minhas contas, são apenas precisos mais 37131 assinantes por mês para o Benfica chegar a uma receita líquida de 8 milhões de euros por ano.

Ou seja, com 137131 assinantes mensais a Benfica TV passa a ser um negócio melhor do que a situação do ano de 2012/2013.

Não parece muito difícil de atingir esse número pois não? Se o clube conseguiu 100 mil assinantes em menos de um mês, conseguir mais 37 mil não será certamente muito complicado.

Porém, convém lembrar que essa era a situação na qual o Benfica achava que ganhava pouco por ano. E convém lembrar que o Benfica rejeitou uma oferta de 22,5 milhões de euros por ano.

Qual é o número de assinantes necessários para que o Benfica ganhe mais do que essa última oferta da Olivedesportos, de 22,5 milhões de euros por ano de receita líquida?

Se os parâmetros que usei nas contas se mantiverem, a partir de 250 mil assinantes, mais coisas menos coisa, a Benfica TV é um excelente negócio para o clube e ultrapassa claramente a última oferta da Olivedesportos.

Em resumo, segundo estas minhas estimativas, e volto a dizer que não tenho acesso directo a todos os números do negócio, e por isso esta é apenas uma estimativa pessoal com base em certos princípios gerais, o que se pode concluir é o seguinte:

 

- Abaixo dos 137 mil assinantes a Benfica TV é um mau negócio.

- Entre os 137 mil e os 250 mil assinantes, a Benfica TV representa uma melhoria da situação do clube face ao passado recente mas não ultrapassa a última oferta da Olivedesportos.

- Acima dos 250 mil assinantes, a Benfica TV é um excelente negócio para o clube, e será uma aposta vencedora de Luís Filipe Vieira.

  

A pergunta seguinte que se deve fazer é: e é possível a Benfica TV ultrapassar os 250 mil assinantes?

Na actual conjuntura económica, não será fácil. Com a economia ainda em recessão, há muitos benfiquistas que terão dificuldade em assinar a Benfica TV, mesmo vivendo longe de Lisboa e do estádio da Luz.

Acresce que, e esse é um dos principais riscos do negócio, por 9,9 euros os benfiquistas poderão ver 2 jogos no conforto das suas casas e podem ir menos ao estádio.

Os economistas chamam a isto o "efeito de substituição" e a Benfica TV torna-se assim numa concorrente do próprio estádio da Luz. Talvez por isso, o Benfica já baixou o preço médio dos lugares anuais cativos e provavelmente irá baixar também os preços gerais dos bilhetes, principalmente para os sócios, para evitar que eles fiquem em casa a ver na televisão.

Existem ainda dois riscos adicionais. O primeiro tem a ver com o "risco da performance" da equipa. Se Jorge Jesus não entrar bem na época, ou se o Benfica perder muitos pontos na primeira parte do campeonato, o número de assinantes tenderá a estagnar ou mesmo a diminuir ao longo da época. Por causa disso, deverá também a Benfica TV apostar noutros mercados, por exemplo os ingleses a viverem em Portugal, que assinarão por causa da Premier League.

Finalmente, há um risco evidente, que é o "risco de marca".

Os clubes de futebol têm consumidores muito fiéis dos seus produtos, mas raramente conseguem atrair consumidores de outros clubes. Só uma pequena parte dos assinantes da Benfica TV serão adeptos de outros clubes portugueses, e é quase certo que sportingusitas, portistas e outros, jamais assinarão o canal.

Assim, uma importante parte do mercado está excluída à partida, e o crescimento da base de assinantes tem um limite natural difícil de ultrapassar.


A minha conclusão final, que partilhei com os meus alunos de Economia do Desporto, é pois a de que a Benfica TV é um projecto original e muito corajoso, que vai alterar drásticamente o mercado de direitos televisivos em Portugal, mas tem riscos financeiros que não podem ser desprezados.

Chegar aos 150 mil assinantes parece-me perfeitamente possível, mas chegar aos 250 mil parece-me difícil para já, até porque a SportTV também reagiu e vai lançar um canal "low cost" para evitar a fuga de assinantes.

Veremos como correm os próximos meses, e prometo voltar ao tema quando a situação se tornar mais clara.

 

 

publicado às 10:32


Sobre o autor

Domingos Amaral é professor de Economia dos Desportos (Sports Economics) na Universidade Católica Portuguesa. É também jornalista e escritor e tem o blog O Diário de Domingos Amaral.

Contacto

oeconomistadabola@gmail.com

Arquivo

  1. 2015
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2014
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2013
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D